
Cerimonial não tem nada a ver com ternos Brioni, gravatas Hermès, sapatos Testoni ou perfumes Shumukh. Eventos que reúnem cerimonialistas tampouco deveriam priorizar bajulações, tapetes vermelhos ou o patrocínio de regabofes que servem apenas para promover fornecedores ansiosos por garantir pequenas fortunas em contratos futuros.
Na minha irrefutável e experiente opinião, o código para um evento impecável – trato do Cerimonial Público – é que o mestre de cerimonias tenha domínio sobre a pauta, uma nominata bem construída, equipamento de som de qualidade – acomodação confortável para todos (e não precisam ser luxuosas) e uma coerente e enxuta escalação de discursos, sem extrapolar o tempo razoável. Tendo esses simples requisitos atendidos, a reunião pode acontecer até sob a sombra de um juazeiro que absolutamente todos os seus objetivos serão alcançados.
Para começo de conversa, respeito quem conhece — e respeita — os fundamentos desse ofício. Sim, ofício, pois profissão, tecnicamente, ainda não é. Não consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que dificulta o reconhecimento formal, inclusive para fins previdenciários e jurídicos.
A quem interessar possa: os primeiros cerimonialistas da história remontam a civilizações antigas, muito antes da Idade Média. No Egito Antigo, por exemplo, já existiam figuras responsáveis por organizar rituais religiosos, funerários e cerimônias da corte faraônica — esses podem ser considerados os primeiros cerimonialistas formais. No Império Chinês e na Mesopotâmia, também havia oficiais encarregados de planejar e coordenar cerimônias de Estado e rituais sagrados, seguindo protocolos complexos.
Na Idade Média europeia, os arautos cumpriam função semelhante: anunciavam batalhas, torneios e mensagens oficiais, garantindo o cumprimento do protocolo de eventos da nobreza. Ainda que seu papel fosse mais ligado à comunicação e mediação de normas, é justo considerá-los antecessores dos cerimonialistas modernos, especialmente no contexto da diplomacia.
Dito isso, quem se dedica mais a salões de beleza e selfies do que aos estudos da função, onerando o poder público com diárias gordas para “aprender” sobre garfos, facas e copos, deveria mirar outro foco: engajar-se pela regulamentação oficial da profissão. Essa sim seria uma causa histórica e necessária.
Este autor — sim, boca-maldita, como já gozo em chamado — atua há mais de 25 anos na área. E só retirará as aspas de “cerimonialista” quando a profissão for oficialmente reconhecida. E, aí sim, escreverei “Cerimonialista” com inicial maiúscula, mesmo que vá contra a norma culta ou o Vocabulário Oficial da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras.
Atualmente, o CBO reconhece 2.741 ocupações formais. Somente através dessa classificação, o cerimonialista poderá se aposentar com essa nomenclatura específica. Sem isso, quem atua no setor poderá se aposentar como animador, apresentador, garçom, locutor — profissões todas dignas, mas que não representam corretamente a função exercida com crachá, pin e equipe.
É verdade que, mesmo sem estar listado na CBO, qualquer trabalhador pode se aposentar desde que contribua para a Previdência Social como CLT, autônomo ou contribuinte individual. Mas sua profissão registrada não será Cerimonialista em letras garrafais, caligrafadas com o devido orgulho.
Além da aposentadoria, a regulamentação traria benefícios como:
• Cursos técnicos e universitários reconhecidos pelo MEC;
• Abertura de concursos públicos;
• Valorização salarial e profissional de toda a cadeia;
• Reconhecimento formal da função junto aos órgãos de Estado.
Hoje, enquanto “cerimonialista” ainda não consta no CBO, já são reconhecidas ocupações como: anotador de pontuação de karatê e futsal; aplicador de decalque em cerâmica; afiador de faca; ajuntador de andiroba; alvejador de sola; atacante de futebol; cosmólogo; astrólogo; cartomante; numerólogo e jogador de peteca. Mais recentemente, passaram a constar também ufólogo, confeccionador de perucas e condutor de cães domésticos.
A atualização do CBO é feita periodicamente, a partir de pedidos formais encaminhados por associações e entidades representativas ao Ministério do Trabalho, que então avalia e aprova ou não o reconhecimento de novas atividades profissionais.
E a tramitação em Brasília?
Para atualizar o colega leitor: o Projeto de Lei nº 5600/2019, que propõe a regulamentação da profissão de cerimonialista, tramita na Câmara dos Deputados há quase 6 anos, desde que foi apresentado em 23 de outubro de 2019 pelo deputado federal Carlos Henrique Gaguim (União-TO).
O PL já foi analisado por comissões como:
• Comissão de Cultura (CCULT)
• Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP)
Contudo, a proposta ainda não foi aprovada por todas as comissões nem enviada ao Senado, e muito menos sancionada pela Presidência da República. O processo segue lento e burocrático, como é comum em projetos de regulamentação profissional. Talvez seja por isso que raramente vemos parlamentares envolvidos com a matéria, os mesmos que adoram serem lisonjeados pelos “cerimonialistas”.
O texto do projeto prevê:
• As atribuições formais do cerimonialista;
• Exigência de qualificação profissional;
• Direitos e deveres da categoria;
• Reconhecimento da atuação em eventos públicos e privados.
Entidades representativas da área seguem pressionando pelo avanço. Mas, por ora, a atividade continua não regulamentada, embora possa ser exercida legalmente dentro das normas gerais de trabalho e prestação de serviço.
Para este aprendiz de locutor que vos escreve, é isso que importa debater. O resto? O resto é selfie e turismo. As outras coisas o YouTube e uma boa literatura ensinam.
