O Despertar do Jundiaí: Macaíba redescobre seus contornos históricos
Em um balé de máquinas e esperança, Macaíba testemunha o renascimento de seu coração fluvial. A obra de desassoreamento do trecho urbano do Rio Jundiaí, que serpenteia pelo centro da cidade, transcende a mera intervenção de infraestrutura; é um convite à redescoberta, um poema visual que desvela contornos há muito submersos. Superados os labirintos burocráticos e os entraves ambientais que pareciam insuperáveis, o rio agora revela uma paisagem que as gerações mais jovens mal conheciam.
Entre a expectativa de dar fim às inundações que há décadas afligem comerciantes e moradores do centro, paira um sentimento de grata surpresa. Os macaibenses, de olhos curiosos, vislumbram o casario que por anos esteve encoberto pelo manguezal, a beleza resplandecente do Parque Governador José Varela, a charmosa praça e o imponente Pax Club. É uma intervenção que já começa a devolver a vida histórica ao município, um investimento que abraça o desenvolvimento econômico, a segurança – inclusive sanitária – e a salvaguarda do patrimônio arquitetônico local.
Ao todo, cerca de 2 quilômetros do leito do rio serão desobstruídos e dragados, em um trabalho meticulosamente supervisionado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) com o objetivo de minimizar as enchentes. Durante décadas, o centro comercial e inúmeras residências padeceram com alagamentos e inundações nos períodos chuvosos, causando prejuízos incalculáveis a milhares de famílias e danificando lares e estabelecimentos.
Pela primeira vez em seus 147 anos de emancipação política, o Rio Jundiaí recebe serviços de tal magnitude. Fruto da gestão municipal atual, este projeto nasceu em 2022, com estudos aprofundados, formatação de projetos, licenciamento ambiental e a captação de recursos: R$ 2 milhões do mandato do senador Styvenson Valentim, somados a R$ 800 mil de recursos próprios da Prefeitura.
Segundo Billy Jean, titular da Semurb, a obra foi dividida em três trechos – da BR 304 à ponte do Conjunto Tavares de Lyra; do Conjunto Tavares de Lyra à ponte no centro comercial; e do centro até o cais no final da Rua José de Baltazar – e será executada em três fases. “O problema das cheias na região central da nossa cidade, que se arrasta por décadas, perpassa pela barragem, pela limpeza e desassoreamento que estamos realizando agora, e pela micro e macrodrenagem”, explicou o secretário.
Além de reduzir significativamente a ocorrência de cheias e os consequentes prejuízos a residências e comércios, o desassoreamento do Rio Jundiaí se configura como uma das intervenções mais importantes na história de Macaíba, não apenas no sentido ambiental, mas também urbanístico e econômico.
O escritor Valério Mesquita nos oferece um olhar melancólico sobre o Rio Jundiaí antes da obra, no trecho que corta Macaíba. Um rio que havia perdido sua essência: o solo, o curso, o chão, o cheiro, a visão, e que se tornara uma ameaça à segurança dos habitantes. Entre o Parque Governador José Varela e a Praça Antônio de Melo Siqueira, manguezais imensos haviam tomado conta do leito poluído, obscurecendo um dos mais belos logradouros urbanos. A praça e o parque perderam o encanto de outrora.
Para o memorialista, a conscientização ambiental deve coexistir com a funcionalidade urbanística e o senso prático do mapa citadino. Desde a construção da estrutura de pedra e cal nas margens, em 1950, o progresso nunca havia prejudicado a superfície do rio, nem a expansão habitacional o havia molestado. Pelo contrário, a construção ordenou o fluxo das águas e protegeu as ruas periféricas, contendo transbordamentos.
A vegetação gigantesca e desproporcional encobria um dos pontos históricos do município: o cais das antigas lanchas que faziam o percurso fluvial entre Macaíba e Natal. Ali, a lancha do mestre Antônio, o barco de João Lau, além da lancha “Julita”, que transportou tantas vezes nomes como Tavares de Lyra, Eloy, Auta e Henrique Castriciano de Souza, Augusto Severo, Alberto Maranhão, João Chaves, Octacílio Alecrim e outras figuras notáveis da vida social, cultural, política e econômica. Todos eles se destacaram em planos estadual, nacional e internacional.
O centenário cais jazia sob os escombros de verdes balizas envergadas e fantasmagóricas. A visão noturna era tétrica e arrepiante, desfigurando e mutilando os padrões estéticos do planejamento da urbe, que parecia abandonada e suja. Até a lua cheia que nascia por trás do Ferreiro Torto era encoberta.
Assim como se exige a educação ambiental, Valério argumenta que se deve exigir o tratamento e o corte do matagal por parte do Idema e do Ibama, a fim de evitar o represamento do lixo no leito, exclusivamente urbano. Em capitais e cidades importantes do Brasil banhadas por rios, não se observa um tratamento tão dispersivo e indiferente por parte dos órgãos responsáveis.
Ao redimensionar este cenário, cabe aos institutos mencionados uma reflexão, um reestudo sobre a paisagem dantesca do Rio Jundiaí no trecho descrito. O povo macaibense tem o direito de ouvir e a coragem de duvidar que essa “selva amazônica” que devora e perturba a todos seja explicada e resolvida, sem slogans, clichês, palavras de ordem, lugares-comuns, peças de marketing ou princípios dogmáticos. Que venham à tona as boas intenções e que a história de Macaíba não permaneça submersa na floresta de manguezais.
Fotos: Marcelo Augusto