José Bispo Clementino dos Santos, mais conhecido como Jamelão, foi mais do que um cantor: foi um monumento vivo do samba brasileiro. Nascido em 1913, no Rio de Janeiro, ele atravessou quase um século com a mesma voz firme e presença imponente, tornando-se o intérprete oficial da Estação Primeira de Mangueira por mais de 50 anos. Sua figura de terno escuro, chapéu elegante e expressão grave era presença obrigatória na Marquês de Sapucaí, onde conduzia o enredo da escola como quem narra a própria história do povo.
A vida de Jamelão foi marcada por lutas, mas também por conquistas que só a música é capaz de proporcionar. Começou vendendo jornais e trabalhando como engraxate, até que sua voz foi descoberta em rodas de samba e bares da Zona Norte. Em 1949, lançou seu primeiro disco solo e, ao longo das décadas, interpretou nomes como Lupicínio Rodrigues como ninguém. Suas versões de “Ela disse-me assim” e “Esses moços” não são apenas canções — são testemunhos de dor e paixão convertidos em arte pura.
Apesar de seu reconhecimento como sambista, Jamelão nunca gostou de ser rotulado apenas assim. Apaixonado por música romântica e boleros, gravou álbuns que mostravam seu alcance vocal e emocional muito além do samba-enredo. Era um cantor de sentimentos, daqueles que olham para a letra antes de cantar e perguntam: “O que esse verso está querendo dizer?”. E essa escuta atenta do mundo, transformada em melodia, era o que fazia sua interpretação atravessar a pele e chegar direto ao coração.
Jamelão partiu em 2008, aos 95 anos, mas sua voz segue ressoando nos desfiles da Mangueira e nas rodas de samba que mantêm vivo o espírito de quem cantava não só por si, mas por todos. Seu legado é um lembrete de que o samba não é apenas ritmo: é história, identidade e resistência. E Jamelão, com sua postura altiva e alma sensível, foi — e continua sendo — uma das vozes mais autênticas que o Brasil já teve.