O legado de Manxa ainda é a identidade de Natal

Talha esculpida por Manxa, instalada na agência Centro do Banco do Brasil, em Natal

Este repórter Gato Preto cresceu frequentando a agência central do Banco do Brasil, quando ainda estávamos distantes de tanta tecnologia e a presença fisica nestes lugares era necessária. Nada sobre bancos, mas sobre arte e lembranças de infância. Impossível para mim, até hoje, não me impressionar com a beleza da instalação depositada por Manxa naquele banco. Talvez, seu ativo mais valioso.

Pois, silenciosamente, o Rio Grande do Norte perdeu um de seus maiores nomes das artes visuais numa noite de março de 2012, em Currais Novos. O escultor e entalhador Ziltamir Soares, conhecido como Manxa, faleceu aos 63 anos, deixando um legado que atravessa décadas e paisagens do estado. Reservado e de talento incomum, Manxa foi o autor de obras icônicas como o painel da Reitoria da UFRN e magníficos entalhes artísticos. Ele estava internado devido a complicações renais e não resistiu ao agravamento do quadro clínico. O enterro aconteceu em São Vicente, sua cidade natal, onde vivia com a esposa.

Obra na fachada do prédio da Reitoria da UFRN

Desde cedo, o apelido o acompanhava. Foi ele mesmo quem se batizou de “Manxa”, por conta de uma mecha branca que destoava do cabelo escuro — sinal de nascença que carregava com orgulho.

Durante mais de 40 anos de dedicação à arte, Manxa assinou obras de grande impacto no Rio Grande do Norte e além. Estão entre seus trabalhos a imagem de Santana, na entrada da Ilha em Caicó, o monumento dos Três Reis Magos em Natal, o pórtico em homenagem aos Mártires de Uruaçu e Cunhaú e o painel na capela do campus da UFRN. Também produziu esculturas para repartições públicas, agências bancárias, empresas privadas dentro e fora do Brasil e teve obras incorporadas ao acervo da Pinacoteca do Estado, que herdou peças do extinto Bandern.

Escultura dos Reis Magos, na entrada de Natal

Entre as criações que marcaram época está o Monumento ao Atleta, feito em metal e instalado na área externa do antigo estádio Machadão. A escultura foi removida em 2001 por deterioração — à época, coberta de ferrugem e sem manutenção adequada.

Manxa e o Monumento ao Atleta, que existia na entrada do estádio Castelão, depois batizado de Machadão

Mesmo doente, próximo ao fim, ele continuava trabalhando, principalmente com esculturas em pedra, na oficina do sítio onde morava. Partiu como tantos gênios: sem dinheiro, sem fama e sem o reconhecimento que merecia.

Manxa era neto da artista popular Maria do Santíssimo (1890–1974), pai do publicitário Renato Quaresma e primo da artista Madé Wainer e do pintor Iaperi Araújo. Desde o início, seguiu a trilha familiar das artes. Foi um dos primeiros artistas potiguares a dominar o entalhe, técnica que se popularizou no Ceará e ele ajudou a difundir no RN.

À época, o artista plástico, também já saudoso, Dorian Gray Caldas, lamentou a perda. “É mais um mestre que se vai. Ele trouxe para o estado essa linguagem do entalhe. A obra dele transbordava nordestinidade. Era um expressionista Naïf.” Para Caldas, o grande marco de sua trajetória segue sendo o painel da Reitoria da UFRN.

Dorian lembrou ainda que o escultor chegou a ser professor convidado em instituições dos Estados Unidos. “Tinha um padrão de exigência muito alto, e nos últimos anos preferiu o recolhimento.” No “Dicionário das Artes Plásticas do RN”, escrito por Dorian, há uma entrada sobre Manxa.

Ao longo da vida, o artista viveu no Rio de Janeiro, passou temporada no Recife, manteve ateliê em Natal e, quase dez anos antes de morrer, decidiu voltar às raízes. “Ele começou a refazer esse caminho de volta quando já estava desmotivado, até deprimido. Saber que voltou a criar me encheu de alívio”, contou Iaperi Araújo. 

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