Leitura do domingo: O crime invisível de parar

O psicólogo Alexandre Coimbra vem alertando, há anos, sobre um fenômeno silencioso que atravessa a vida contemporânea: a criminalização da pausa. Vivemos um tempo em que parar, respirar ou simplesmente existir sem produzir parece quase um pecado social. Depois que a internet se enraizou no cotidiano e os celulares passaram a nos acompanhar em todos os espaços — do transporte público à mesa de jantar — o tempo livre foi sequestrado. E, pior, passou a ser visto como preguiça.

A lógica do “sempre online” não distingue mais horário comercial de madrugada, dia útil de feriado. A notificação vibra, e lá vamos nós responder, publicar, consumir. É um impulso automático, mas não inocente: ele alimenta a cultura do desempenho, na qual o valor de uma pessoa está atrelado ao quanto ela entrega, produz e se mantém visível. Nesse cenário, o descanso deixou de ser um direito para se tornar um luxo que poucos se permitem — e, quando se permitem, carregam culpa.

O mais preocupante é que essa mentalidade não fica restrita ao ambiente de trabalho. Ela contamina a vida inteira. Pais e mães checam e-mails no parquinho, jovens respondem mensagens durante encontros, profissionais se sentem na obrigação de estar acessíveis até durante o luto. É como se a pausa tivesse perdido o status de necessidade humana e ganhado o rótulo de ameaça ao sistema.

Recuperar a pausa é, portanto, um ato de resistência. É lembrar que a criatividade nasce do ócio, que a saúde mental depende do silêncio e que o corpo precisa de tempos mortos para continuar vivo. Ao contrário do que o mundo hiperconectado quer nos fazer crer, não é o trabalho ininterrupto que nos mantém produtivos, mas a capacidade de parar, recarregar e voltar inteiros. E, talvez, seja exatamente aí que mora a verdadeira revolução.

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