Comportamento

Comportamento

Leitura do domingo: O crime invisível de parar

O psicólogo Alexandre Coimbra vem alertando, há anos, sobre um fenômeno silencioso que atravessa a vida contemporânea: a criminalização da pausa. Vivemos um tempo em que parar, respirar ou simplesmente existir sem produzir parece quase um pecado social. Depois que a internet se enraizou no cotidiano e os celulares passaram a nos acompanhar em todos os espaços — do transporte público à mesa de jantar — o tempo livre foi sequestrado. E, pior, passou a ser visto como preguiça.

A lógica do “sempre online” não distingue mais horário comercial de madrugada, dia útil de feriado. A notificação vibra, e lá vamos nós responder, publicar, consumir. É um impulso automático, mas não inocente: ele alimenta a cultura do desempenho, na qual o valor de uma pessoa está atrelado ao quanto ela entrega, produz e se mantém visível. Nesse cenário, o descanso deixou de ser um direito para se tornar um luxo que poucos se permitem — e, quando se permitem, carregam culpa.

O mais preocupante é que essa mentalidade não fica restrita ao ambiente de trabalho. Ela contamina a vida inteira. Pais e mães checam e-mails no parquinho, jovens respondem mensagens durante encontros, profissionais se sentem na obrigação de estar acessíveis até durante o luto. É como se a pausa tivesse perdido o status de necessidade humana e ganhado o rótulo de ameaça ao sistema.

Recuperar a pausa é, portanto, um ato de resistência. É lembrar que a criatividade nasce do ócio, que a saúde mental depende do silêncio e que o corpo precisa de tempos mortos para continuar vivo. Ao contrário do que o mundo hiperconectado quer nos fazer crer, não é o trabalho ininterrupto que nos mantém produtivos, mas a capacidade de parar, recarregar e voltar inteiros. E, talvez, seja exatamente aí que mora a verdadeira revolução.

Comportamento

Leitura do sábado: O mal-estar transforma o mundo

Quando o Incômodo Vira Mudança

Dizia Freud que “é o mal-estar que transforma o mundo”. A frase, embora curta, carrega um peso que atravessa gerações. Em tempos de ansiedade generalizada, crises de identidade e incertezas constantes, essa reflexão soa como um lembrete: o desconforto não é apenas um fardo, mas também um gatilho para a ação. É quando algo aperta dentro de nós que começamos a buscar saídas, questionar velhos hábitos e repensar caminhos.

O mal-estar não precisa ser visto como inimigo. Ele pode ser um sinal de que algo não está certo — e que precisa ser transformado. Do mesmo modo que a dor física avisa que há algo errado no corpo, o desconforto emocional pode apontar para mudanças urgentes. Seja numa relação, no trabalho ou na forma como lidamos conosco, a inquietação abre espaço para uma nova versão da vida, mais alinhada com o que realmente importa.

Talvez estejamos vivendo uma era em que o desconforto coletivo seja justamente o que vai nos obrigar a repensar o mundo. E, apesar do peso dos dias, é reconfortante lembrar que a história já provou: grandes transformações nasceram de tempos difíceis. O mal-estar é duro, mas também é fértil. Ele nos empurra para o movimento — e o movimento, cedo ou tarde, traz mudança.

 

Rolar para cima